Investigadores estudaram a forma como a matéria cinzenta do cérebro das crianças se correlaciona com défices de fluência de leitura e descobriram que o Quoficiente de Inteligência (QI) não interfere com a disfluência, ao contrário do nível socioeconómico.
Sabendo-se que aprender a ler é um dos principais objetivos da educação infantil, pode ser surpreendente descobrirmos que, nos 38 países que integram a OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, 20% das crianças não atingem o nível básico de proficiência em leitura (OCDE 2016). Uma das justificações para este facto é que a leitura é uma aptidão complexa que envolve simultaneamente vários sistemas neurocognitivos.
Os investigadores Marta Martins, Ana Mafalda Reis, São Luís Castro e Christian Gaser, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Unilabs Boavista, e Jena University Hospital (Alemanha), uniram esforços para estudar a base cerebral da fluência de leitura, que permanece pouco explorada até o momento. Para melhor perceberem a falta de fluência da leitura em crianças, os investigadores focaram-se em duas variáveis importantes: o QI e o nível socioeconómico (SES - Socioeconomic Status).
Alguns estudos comportamentais anteriores associavam o baixo nível de QI à dificuldade persistente de leitura (Ingesson, 2005; Swanson, 2012), convergindo para a visão de que os sistemas neuronais implicados na leitura poderiam diferir em leitores com dificuldades em função do QI. No que diz respeito ao nível socioeconómico, vários estudos relacionaram o SES com a variação do volume de matéria cinzenta, podendo refletir diferentes ambientes de aprendizagem (ter ou não livros em casa, por exemplo) com impacto na linguagem e desenvolvimento da alfabetização (ex. Mol e Bus, 2011, Pace et al., 2017).
No artigo “Gray matter correlates of reading fluency deficits: SES matters, IQ does not”, publicado em agosto de 2021 na revista Brain Structure and Function, os autores explicam que usaram uma abordagem de morfometria baseada em voxel (VBM) no estudo em que participaram 54 alunos portugueses (31 meninas e 23 meninos, com idade média de 8 anos). O objetivo era comparar os 18 leitores fluentes com 18 leitores disfluentes com QI normal, e 18 leitores também disfluentes mas com QI baixo, para analisar se nos leitores disfluentes o QI e o SES modulavam a relação cérebro-comportamento.
Relativamente à variável QI, os resultados obtidos mostraram que os leitores disfluentes com QI normal e baixo não diferiram nas regiões neuronais centrais para a leitura e que ambos os subgrupos de leitores disfluentes tinham menor volume de massa cinzenta do que leitores fluentes, nas áreas occipito-temporal, parieto-temporal e fusiforme.
O exame ao volume de massa cinzenta em subgrupos de leitores disfluentes, diferindo apenas no nível socioeconómico, demonstrou que leitores disfluentes de SES superior tinham maior volume de matéria cinzenta no giro angular direito do que os seus pares de SES inferior e que o volume do subgrupo de SES superior se correlacionou positivamente com a fluência de leitura, principalmente a associada ao conhecimento das palavras e à compreensão de texto.
De acordo com São Luís Castro, investigadora apoiada pela Fundação BIAL, “as duas descobertas resultantes deste estudo adicionam à evidência atual o efeito modulatório do SES na relação cérebro-comportamento e contribuem para um conhecimento aprofundado da neurocognição no perfil de leitores disfluentes, que pode fornecer pistas para estratégias de favorecimento da aprendizagem”.
Saiba mais sobre o projeto “The impact of music training on reading and mathematical abilities of normal and reading disabled children: A behavioral and neuroimaging longitudinal study” aqui.