Investigação demonstrou que experiências adversas na infância resultam em formas mais disfuncionais de lidar com a vergonha e aumentam a gravidade dos casos de insónia na idade adulta, embora estas duas variáveis não surjam associadas.
Experiências Adversas de Infância (Adverse Childhood Experiences – ACEs) são experiências negativas, como abuso emocional ou físico, abuso sexual, negligência, exposição ao abuso de substâncias pelos pais, à doença mental ou ao comportamento criminoso (Felitti et al., 1998). Estas experiências, especialmente se forem múltiplas, têm um efeito devastador no funcionamento emocional do adulto, potenciando riscos mais elevados de depressão, ansiedade, dependência ou suicídio (DeBellis, 2010).
Sabendo-se que as ACEs podem criar vulnerabilidade para uma posterior disfuncionalidade em lidar com situações de angústia, podendo levar à hiperexcitabilidade crónica e insónia, surge uma nova linha de investigação que analisa a trajetória desenvolvimental desde o stress precoce na infância até à insónia na idade adulta.
Foi a partir deste enquadramento que uma equipa de investigadores da Holanda e Austrália, coordenada por Frans Schalkwijk, realizou um estudo piloto que analisou a forma como as experiências negativas mais graves vivenciadas na infância poderiam explicar a hiperexcitabilidade, a insónia e a forma de lidar com a vergonha verificadas nos adultos.
No artigo “From childhood trauma to hyperarousal in adults: The mediating effect of maladaptive shame coping and insomnia”, publicado na revista científica Frontiers in Human Neuroscience de fevereiro, a equipa de investigadores da Universidade de Amesterdão, Instituto Holandês de Neurociência, Universidade Livre de Amesterdão (Holanda) e Instituto Woolcock de Investigação Médica (Austrália) revela os resultados do estudo aplicado a 57 adultos (27 com registos de insónia e 30 para controlo).
Os participantes começaram por preencher um questionário sobre traumas na infância cerca de uma semana antes de realizarem uma ressonância magnética funcional (fMRI). Foram também aplicados dois modelos de equações estruturais para testar as hipóteses de que as formas de lidar com a vergonha e a gravidade dos sintomas de insónia medeiam a associação entre ACEs e os sintomas de hiperexcitabilidade autoavaliados, bem como a associação entre ACEs e a ativação do cérebro para recordar memórias autobiográficas.
Os resultados indicam que a associação entre ACEs e a hiperexcitabilidade é mediada pela forma de lidar com a vergonha. Este modelo também demonstrou que formas disfuncionais de lidar com a vergonha e sintomas de insónia mais graves estavam associadas a mais ACEs. Porém, não se observou associação entre estas duas variáveis (vergonha e insónia). Em contraste, no segundo modelo aplicado, verificou-se uma associação direta entre as ACEs e a maior ativação do córtex cingulado dorsal anterior (integra o sistema límbico, associado a processos emocionais) para recordar memórias autobiográficas vergonhosas, não havendo qualquer efeito mediador das formas disfuncionais de lidar com a vergonha ou da severidade dos sintomas de insónia.
De acordo com Eus J. W. Van Someren, investigador apoiado pela Fundação BIAL que integra a equipa, estas descobertas podem ter implicações na abordagem do tratamento da insónia, tornando-o mais focado no trauma e no processamento emocional em vez das intervenções convencionais do sono. “Recomendamos estudos futuros para investigar o mecanismo da relação entre trauma infantil e insónia, contemplando fatores adicionais como estilos de vinculação, personalidade e temperamento”, finaliza.
Saiba mais sobre o projeto “REM-sleep, the regulation of self-conscious emotion and hyperarousal in psychophysiological insomnia” aqui.